Filigranas

A pele enrugada
forma desenhos
onde, aqui e acolá
sulca uma veia azul.
Bordado que o tempo teceu
com zelo
anos a fio,
desde o antes de chegar.
Tarefa fantástica
sem similar cibernética,
filigranas e tramas
criadas entre risos
lágrimas,
gozo e sangue.

A renda do tempo,
tecida em fios da vida,
borda no corpo,
em pontos de claros
e escuros,
um enigma.
Por mais que avance
a ciência,
nunca se saberá
ao certo
onde o fio dessa meada.

Dirá o inconformado
que nem boa rendeira
é esta, a vida,
que zela a agulha,
mas deixa solta a traça,
que corrói o bordado,
sem reparar o linho
ou o algodão.

Dirá o que tem consolo,
que em menos tempo
que trace a traça o pano,
a vida,
que é esta a rendeira,
tão destra que é,
recomeça noutro ponto
e, em mais que cambraia
tece um novo
e delicado bordado.

Alheio a tudo,
o velho,
que nada entende de rendaria,
olha resignado
os veios de suas mãos enrugadas,
enquanto um riso de criança
enche-lhe os ouvidos.
Então ele levanta a cabeça
e sorri docemente
mostrando as gengivas
rosadas e brilhantes.